Edifício JK: O legado de Niemeyer em BH e a síndica “perpétua”
Quem já passou pelo bairro Santo Agostinho ou visitou o Mercado Central de Belo Horizonte, com certeza já viu o imponente Edifício JK, nome popular dado ao Conjunto Governador Kubitschek.
Sua imponência não é atoa: conjunto residencial composto por dois grandes edifícios foi projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o maior nome da história da arquitetura moderna no Brasil.
O conjunto, inaugurado em 1952, está localizado no bairro Santo Agostinho, região Centro-Sul de Belo Horizonte, e é considerado um monumento histórico e cultural da capital mineira.
A construção foi feita pelo empresário Joaquim Rolla, com recursos doados pelo então governador Juscelino Kubitschek. Em 2022, foi tombado pela Prefeitura de Belo Horizonte como patrimônio cultural da cidade.
No entanto, sua história é marcada por diversas polêmicas, principalmente com relação à síndica Maria Lima das Graças, que está a 40 anos no “comando” do condomínio.

A história do Edifício JK
O terreno que hoje abriga o Edifício JK já foi ocupado pela Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais.
A instituição funcionou até 1938 e foi demolida em 1943, por ordem do então prefeito Juscelino Kubitschek, para abrir espaço à expansão da Praça Raul Soares.
Poucos anos depois, em 1952, Oscar Niemeyer assinou o projeto arquitetônico do novo edifício.
O cálculo estrutural ficou nas mãos do engenheiro Joaquim Cardozo, enquanto a construção foi conduzida pelo empresário Joaquim Rolla, com recursos viabilizados por Juscelino, agora governador de Minas Gerais.
A inspiração veio dos falanstérios de Charles Fourier, que pregavam a integração de moradia, serviços e lazer em um só espaço.
O plano era ousado: reunir museu de Arte Moderna, repartições públicas, comércio, serviços e apartamentos, criando um verdadeiro “condomínio-cidade”.
De acordo com Celina Borges Lemos, professora de arquitetura da UFMG, a ideia do Edifício JK era se tornar um conglomerado, abrigando múltiplas funções para otimizar a vida dos moradores do prédio e da região.
O complexo ergueu-se em dois blocos. Um deles, com 23 andares, voltado para a Rua Timbiras; o outro, com 36 andares e 100 metros de altura, de frente para a Rua Guajajaras. A proposta incluía até uma passarela unindo as torres pelo 5º andar, mas a prefeitura barrou a ideia.
Nos interiores, surgiram apartamentos variados e até o modelo “semi-duplex”, considerado revolucionário na época. A obra demorou além do previsto. Só em 1968 o prédio ganhou vida, funcionando inicialmente como apart-hotel, com unidades de luxo.
Assista o vídeo abaixo e saiba mais sobre os prédios:
Tombado como patrimônio cultural
O Conjunto Habitacional Governador Juscelino Kubitschek, conhecido como Edifício JK, ganhou o título de patrimônio cultural de Belo Horizonte.
A decisão foi unânime no Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município (CDPCM-BH), em reunião pública realizada em abril de 2022.
Sua concepção modernista propunha uma nova forma de viver na cidade: reunir habitação, comércio, serviços e até espaços culturais em um mesmo espaço, transformando o edifício em um verdadeiro símbolo da verticalização de Belo Horizonte.
Segundo Fabíola Moulin, secretária municipal de Cultura e presidenta interina da Fundação Municipal de Cultura, o tombamento definitivo assegura a proteção de um bem que representa parte essencial da história e identidade da capital mineira.
A partir do tombamento, os proprietários passaram a ter acesso a benefícios como: isenção de IPTU, possibilidade de utilizar leis de incentivo à cultura para financiar projetos de restauração, além do Programa Adote um Bem Cultural e da transferência do direito de construir em outras áreas da cidade.
Esse processo de reconhecimento começou em 2008, quando o JK foi incluído no inventário de bens de interesse de preservação do Conjunto Urbano da Praça Raul Soares.
Em 2021, a prefeitura acelerou a elaboração do dossiê de tombamento, com apoio de moradores, técnicos da Fundação Municipal de Cultura e acompanhamento do Ministério Público de Minas Gerais.
O tombamento provisório foi aprovado em dezembro de 2021 e, após a análise de um pedido de impugnação, a decisão definitiva foi confirmada em abril de 2022.
Assista o vídeo abaixo e saiba mais sobre o processo de tombamento:
Um gigante vivo no coração de BH
Erguido para ser uma verdadeira “cidade vertical”, o Conjunto JK impressiona até hoje pelo porte e pela ousadia arquitetônica.
São 1.087 apartamentos distribuídos em dois blocos: um com 36 andares voltado para a Rua Guajajaras e outro com 23 andares na Rua Timbiras.
Ao todo, mais de 5 mil pessoas vivem nesse espaço, o que faz do JK um dos maiores complexos habitacionais de Belo Horizonte.
A diversidade é uma marca registrada. O edifício reúne 13 tipos diferentes de apartamentos, que variam de unidades compactas de um quarto até lares mais amplos, com quatro dormitórios.
Essa variedade reflete a proposta modernista de criar um espaço democrático, capaz de abrigar diferentes perfis de moradores em um mesmo conjunto urbano.
O projeto também se destaca pela estética ousada. Niemeyer explorou os famosos pilotis de formas inovadoras, brincando com estruturas em “V”, “W” e até no formato de “Ψ” (psi).
O resultado é uma obra que vai além da função de moradia: é um manifesto arquitetônico da modernidade que se consolidava em Belo Horizonte nos anos 1950 e 60.
Com o tempo, o JK ganhou a fama de ser mais do que um edifício. Tornou-se um ícone da capital mineira, um marco cultural e social que guarda em suas paredes histórias de milhares de famílias e de diferentes gerações.
Sua grandiosidade, no entanto, também trouxe polêmicas recorrentes — desde críticas à manutenção até debates sobre a gestão interna do condomínio.
Mais recentemente, algumas dessas controvérsias giram em torno da figura da síndica Maria das Graças, personagem central em disputas que reforçam a aura de intensidade que sempre envolveu o prédio.
As polêmicas envolvendo a síndica
Ao longo dos últimos anos, o Edifício JK voltou ao noticiário não apenas por sua importância histórica, mas também pelas polêmicas relacionadas à gestão do condomínio.
A figura central dessas controvérsias tem sido a síndica Maria Lima das Graças, que ficou conhecida por muitos moradores como a “Dama de Ferro do JK”.
- 2020 – Caução milionária para candidatura
Em 2020, a administração determinou que qualquer morador interessado em se candidatar a síndico deveria pagar uma caução de R$ 4 milhões. Segundo alguns condôminos, a medida tinha como objetivo dificultar ou até inviabilizar a concorrência ao cargo. Para muitos, essa decisão representava mais uma das arbitrariedades da gestão de Maria da Graças. - 2021 – Disputas judiciais e acusações
No ano seguinte, as tensões aumentaram. Um grupo de moradores ingressou na Justiça contra a administração, alegando ilegalidades em assembleias gerais, incluindo a ausência de contagem de votos. Além disso, houve acusações de calúnia e agressão, após um jornal interno do condomínio divulgar denúncias contra um membro da chapa de oposição. - 2023 – Código de vestimenta polêmico
Em 2023, uma decisão da direção do prédio estabeleceu um código de vestimenta para que os moradores pudessem ser atendidos na administração. O comunicado pregado na parede determinava que apenas pessoas com “trajes adequados ao ambiente de trabalho” seriam recebidas. A medida gerou forte descontentamento entre os condôminos, que consideraram a regra autoritária e discriminatória. - 2024 – Pagamento em dinheiro vivo
Em mais um episódio controverso, a administração passou a exigir que as taxas condominiais fossem pagas exclusivamente em dinheiro em espécie, rejeitando transferências ou boletos. Como forma de protesto, dois moradores realizaram o pagamento integral utilizando mais de 1.600 moedas. A exigência durou pouco: no mês seguinte, foi revogada diante da pressão e das críticas.
Trama judicial e denúncia do MP
O Edifício JK também se tornou centro de uma verdadeira batalha judicial, marcada por acusações, disputas de poder e questionamentos sobre a preservação do patrimônio.
De um lado está a síndica Maria Lima das Graças, que há mais de quatro décadas comanda a administração do condomínio. Do outro, um grupo de moradores que a acusa de falta de transparência, gestão autoritária e até de contribuir para o sucateamento da estrutura do prédio.
O conflito ganhou novos capítulos a partir de 2022, quando o JK foi tombado pela Prefeitura de Belo Horizonte como patrimônio histórico. A partir daí, qualquer reforma ou intervenção passou a exigir autorização dos órgãos de preservação.
Segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), os gestores não cumpriram adequadamente as obrigações de manutenção.
No fim de 2024, o MPMG apresentou uma denúncia por crimes contra o patrimônio cultural, acusando a administração de omissão em medidas essenciais para conservar o edifício.
Entre as falhas apontadas estão a ausência do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) e a falta de ações de impermeabilização, o que teria acelerado a deterioração da estrutura.
As acusações reforçam as reclamações dos moradores, que relatam problemas como infiltrações, mau estado de áreas comuns e até acúmulo de lixo dentro do condomínio.
Apesar da pressão, a Justiça negou o pedido de afastamento da síndica, mantendo Maria Lima das Graças e sua gestão à frente do prédio.
A possibilidade de afastamento da síndica
Mesmo com o pedido anterior tendo sido negado, a síndica Maria Lima das Graças, que está há mais de 40 anos à frente da administração do Edifício JK, pode ser afastada do cargo em breve. Tudo vai depender do resultado da audiência de instrução marcada para o dia 7 de outubro.
Em dezembro de 2024, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou Maria Lima e o gerente administrativo, Manoel Gonçalves de Freitas Neto, por crimes contra o patrimônio cultural.
A audiência de instrução será o momento em que o juiz ouvirá testemunhas, analisará provas e interrogará os réus. O objetivo é formar convicção para decidir sobre a continuidade do processo e sobre o pedido de afastamento da atual administração.
Em dezembro de 2024, a Justiça havia negado o afastamento imediato de Maria Lima e de Manoel, entendendo que não havia risco iminente que justificasse a medida cautelar.
No entanto, a juíza deixou em aberto a possibilidade de reavaliar a questão ao longo do processo.
Se o afastamento for decretado após a audiência, a Justiça poderá nomear um síndico judicial para assumir temporariamente a administração do edifício.
O Ministério Público defende essa solução como forma de garantir a gestão adequada e a preservação do patrimônio.
Assim, o futuro da administração do Edifício JK segue indefinido, e a decisão judicial será determinante para os rumos de um dos mais emblemáticos conjuntos habitacionais de Belo Horizonte.
Assista a reportagem abaixo e entenda o caso:
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